Transcrição: Perpétua porque mãe teve uma gravidez muito difícil e fez a promessa com Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Se tudo desse certo, eu nascesse sem problema, saudável, ia colocar meu nome, o nome de Nossa Senhora: "Perpétua." E de Jesus, porque meu Pai, na Bahia, lá de Helvécio e o costumo lá de Helvécia. As meninas pegam o nome da mãe como sobrenome e os meninos pegam o nome do pai como sobrenome.
Aqui era a margem da linha. A nossa pista de brincar era a linha do trem, né? Então quando não tinha trem a gente estava brincando, quando o trem vinha todo mundo corria. Quando o trem passava, a gente voltava. brincava de pular corda, jogava bola, brincava de roda, brincava de tudo. Tudo que criança faz que você imaginar a gente fazia. A vida toda essa pista que foi nossa, a amizade, as brincadeiras que hoje não existe.
A gente brincava muito, a gente tinha muitos amigos. Hoje a criança é presa e não tem a liberdade que nós tínhamos, isso faz uma falta danada. Enquanto estava fazendo a manobra, estava brincando dentro dos carros. A gente entrava escondido pr'os guardas não verem e o carro enchia de menino. Era uma felicidade. Na hora que o trem subia e descia. Aí, na hora que o guarda descobria e vinha lá e botava todo mundo pra fora. Aí saía todo mundo correndo. Aí, quando ele descuidava, a gente entrava. Isso na tarde de domingo era assim. Ai isso me dá uma saudade disso. A gente brincava e não tinha medo. Porque hoje que eu olho o quão era perigoso. O tamanho da estrada que passava o trem de ferro carregando classe de passageiro, carregando as vezes o trem de carga, que não carregava passageiro. Era muito perigoso e a gente não sentia isso... que a gente passou na vida. A gente levava aquilo tudo com alegria. Dá muita saudade.
A história triste de minha vida: Como a sociedade de Teófilo Otoni me recebeu aos 7 anos. Que eu fui pra escola assim, toda animada, mãe fez roupa nova. Ai quando eu cheguei na escola estava aquele tanto de criança, e eu também no meio das crianças, porque né? Meu mundo era aqui, aqui eu era feliz, aqui eu era rainha, era princesa, era tudo. No primeiro dia de aula que eu chego, todo mundo lá esperando a professora chamar. Ai na hora que ela chamou o meu nome eu respondi e fui pra fila dela. A fila dela ficava assim: um pessoal de cá (os pais) e as crianças de lá. Ai quando eu sai pra entrar na fila da sala dela, ela falou assim: "será que essa negrinha vai aprender alguma coisa?" Aí, algumas pessoas riram. Aí eu fiquei revoltada com aquilo. Ai eu cheguei em casa e disse: "não volto mais naquela escola!" Falei não vou e foi uma luta pra mim aceitar. Mas depois passou e eu vi que era gente como os outros e podia fazer tudo que os outros fazem e estou fazendo até hoje! A gente têm que superar essas coisas! Eu gostaria que elas tivessem vivas até hoje... gostaria mesmo de chegar perto delas e falar: "a negrinha não só aprendeu como ensinou alguma coisa pr'os outros!"
Meu avó foi da Bahia-Minas, os irmão dele também e meu pai. Meu pai foi pra Bahia-Minas quando eu tinha 15 anos ainda. Mas meu pai veio pra Bahia-Minas com o tio dele. Tio Reginaldo. Que ele não tinha idade ainda pra entrar, mas ele levava ele (o pai) e ele ajudava, naqueles "trolio" que faziam as manutenções da linha. E dali, daquele trabalho ele participou da Bahia-Minas por 35 anos. Quando meu pai começou a trabalhar de maquinista o meu avó já estava aposentado.
A gente brincava na linha e naquela época, nós éramos muito felizes. Todo mundo era unido, tudo era uma beleza. Algo que a gente não vê hoje. Nem todas eram negras... tinham assim, "morenas", "mulatas", mas a maioria era negão mesmo. Quem morava aqui, nessa margem da linha, era só Bahia-Minas. Daqui até na Turma 38. Aqui era a casa do guarda, do chefe da estação.
Quando meu pai veio de Nanuque pra cá e nós viemos de muda, minha mãe contava que nós moramos aqui um certo tempo até construir a casa. Hoje é a nossa associação. Associação Cultural Ferroviária Bahia-Minas. Quando a Bahia-Minas chegou aqui, dos baianos lá de Helvécia, Ponta de Areia, Caravelas, vieram muitos pra cá. Se aglomeraram aqui nessa região porque era próximo do depósito e para que não ficassem espalhados. Por que têm pouquíssimos Bahia-Minas que vieram pra Bahia-Minas e que moravam fora daqui. E ai formou esse grupo. Chegamos a conclusão de que isso aqui foi moradia de afrodescendentes, como nós somos hoje e estamos aqui. É o quilombo urbano porque está dentro da cidade, não é um quilombo rural. Está sendo trabalhado de maneira diferente e está sendo difícil o povo aceitar essa história de quilombo, porque eles falam que não são quilombola, que quilombo é macumba, então nós teremos que trabalhar com muita paciência, com muita calma, até que eles reconhecerem que é quilombo e o que é que o quilombo vai ser na vida deles daqui pra frente.
Olha, vou falar sinceramente: a única coisa que eu quero desse quilombo é ajudar. Eu e Rita já andamos ai bastante, nós já conhecemos a situação deles. Muito ruim a rua. É muito triste a situação. Nem todos, né? Tem uns que tem uma vidinha regular, mas a maioria são sofridos. O que eu quero no quilombo é isso: é fazer eles entenderem o que é quilombo e o que o quilombo pode fazer na vida deles. A única coisa que nós prometemos é trabalhar pra defender os seus direitos. E tem que ser relevante os seus direitos.
Isso aqui é um pedido de licença para funcionar um baile de final de ano de 31 de dezembro de 1889. Era o Clube das Palmeiras que funcionava aqui atras onde é a margem da linha, onde é era o quilombo. Aqui tinha baile sábado até as 3 horas da manhã, mas não ia até as 3 horas da manhã, ia até as 5 horas e no domingo tinha baile também das 8 horas até as 12 horas.
Siderúrgica Esporte Clube, todos aqui são Bahia-Minas. Eles jogavam no Guariri, que era onde é o bairro Jardim das Acácias. Aqui têm meu pai, têm Tio Júlio. Meu pai é esse magrinho aqui, oh, meu pai, Sauluzinho. Julio Costa, Julio Roberto, Odilon, Seu Belo, acho que todo mundo que tá aqui já foi embora ver papai do céu. Não têm mais não.
Meu pai tava conduzindo esse trem de carga levando soldado e munição. Munição e arma. Acho que uns três ou quatro. Então quando chegou pro lado de "Beasforte", os carros desencarrilharam, tombou todos os carros e a máquina ficou em pé. A máquina não caiu. E nesse acidente morreram dois soldados que estavam na porta do vagão. Na hora que o vagão tombou eles morreram. E aí os outros que estavam queriam matar meu pai. Eles acharam que porque a máquina ficou em pé e os carros desencarrilharam que o culpado era meu pai. Meu pai nunca usou uniforme de maquinista. Ele detestava. Ele andava sempre com a calça de linho, camisa xadreza e um bonezinho. Ele não morreu por isso, eles passavam com a arma perto dele e não o reconheciam. Até que um colega dele chegou e falou: "Salu o povo quer te matar!". Matar porque? Ai ele falou assim: "Eles estão achando que você tombou os carros porque a máquina ficou em pé!" Ai meu pai entrou debaixo de um desses carros que estavam tombados, pai entrou e ficou lá até que a polícia chegou pra liberar. Aí meu pai ficou detido, passou lá pelo processo, mas ele não teve culpa. E esses vagões estavam carregados de armas e munições. Tinha dinamite, tinha outra bomba explosiva e graças a Deus, nenhuma, nenhuma, nenhuma explodiu.
A nossa cidade sem memória. Tudo aqui acaba e se a gente não preservar o que restinho que têm, que é o nosso patrimônio lá da Pojichá, nós estamos assim na luta para que não tirem lá daquele lugar, estou com medo da gente perder a Pojichá. É essa Associação e a Pojichá que restam de recordação da Bahia-Minas. A Pojichá é um patrimônio tombado. A poucos dias uma pessoa falou comigo que em Teófilo Otoni não tem racismo não e eu falei: "pois é, não está em sua pele." Têm muito! A Associação ter essa diretoria formada por mulheres e na maioria mulheres negras é justamente por isso.
A bandeira da Bahia-Minas que estava sumida de repente ela aparece maravilhosa. Eu tÔ segurando a suposta bandeira da Bahia-Minas. Não vou dizer que esta é a bandeira verdadeira ou que não seja. Mas nesse momento ela está sendo a bandeira da Bahia-Minas. Se não surgir uma outra bandeira, essa aqui vai ser registrada como a Bandeira da Estrada de Ferro Bahia-Minas.
Ponta de areia
Ponto final
Da Bahia-Minas
Estrada natural
Que ligava minas
Ao porto, ao mar
Caminho de ferro
Mandaram arrancar
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